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Renda - desafio ou flagelo?

  • Roberto Barberá
  • 30 de set. de 2018
  • 7 min de leitura

Mais uma vez o Sr. Donald Trump torna-se motivo de chacota, após suas declarações de anteontem, na ONU. Porém, eu não simplificaria a interpretação destas afirmações, sem procurar alguma lógica que justifique tamanho desgaste.


Diferentemente do que a grande mídia vem fazendo, não acho prudente reduzirmos todo este “mise-en-scène”, a uma simples reação às sucessivas trapalhadas cometidas na Casa Branca. Tampouco às tentativas de sustentar promessas mentirosas de campanha. Menos ainda, à tática estilo “reality show” que vem sendo justificada como forma de desviar a atenção dos incautos (nós), para bem longe do bombardeio de denúncias a que o Sr. Trump vem sendo submetido.


Há algo obscuro em jogo, por trás de toda esta encenação bufa.


Trump tem sido contumaz em desqualificar todos os que o contestam. Menospreza, sem a menor cerimônia, instituições centenárias como a imprensa mundial, o FBI e o próprio judiciário americano. Insiste, cotidianamente, em desqualificar instituições e organismos internacionais criados pelos próprios EUA, como a ONU, a OTAN, a OMC e a União Européia. Desrespeita tratados e deixa indignados aliados históricos.


Alguns renomados analistas defendem que a evolução tecnológica anda “atropelando” a comunicação diplomática, diminuindo o protagonismo das entidades multilaterais. Segundo eles, “uma tendência que veio para ficar”. Mas se enganam estes mesmos analistas, quando definem como “novo padrão”, o comportamento narcisista do Sr. Trump. Fazendo isto, estes formadores de opinião deixam de reconhecer o simbolismo e a contribuição histórica destas entidades internacionais, na mediação de conflitos, aplicação de sanções e na viabilização de inúmeras ações humanitárias. Queiramos, ou não, estes organismos ainda representam os derradeiros fiadores do equilíbrio entre as nações.


O que o presidente americano vem, de fato, fazendo é nos revelar a existência de autêntica batalha entre nacionalistas (que o Sr. Trump finge ser) e globalistas (tão nocivos quanto os primeiros). Direita e esquerda, conservadores e progressistas, são rótulos que sempre disfarçaram a escalada de poder e interesses puramente econômicos. O que está em jogo é muito mais do que este antigo discursete ideológico.


Sob este aspecto, o Sr. Trump trava uma luta inglória. A ciência evoluirá inexoravelmente promovendo mais globalização, sempre em direção aos ganhos de escala e da eficiência econômica. Cabe a nós, consumidores e eleitores, colocar freios e contrapesos nos excessos que já podem ser percebidos. Por exemplo, hoje em dia quase toda empresa tem como forma mais barata de se fazer conhecida, contratar publicidade via Google. Ou seja, o caminho primordial de qualquer empresa de pequeno e médio portes, em direção a seus clientes e fornecedores, já é pavimentado por um algoritmo – o do Google.


A internet vem mudando nosso modo de viver, revolucionando as relações entre indivíduos, clientes, empresas e nações. Fronteiras físicas, pouco a pouco vêm perdendo relevância. A inteligência artificial começa sua escalada exponencial de fechamento de postos de trabalho, o que vem aumentando a desigualdade de oportunidade. E o reflexo destas mudanças pode ser especialmente devastador, para a população dos países pobres e emergentes.

Movimentos como o Brexit, a anexação da Criméia, pela Rússia, a possível independência da Escócia, são eventos que mostram que o engajamento popular pela causa nacionalista vem diminuindo de intensidade. O nacionalismo populista encontra eco, apenas, nas populações menos esclarecidas e economicamente desfavorecidas. Aquelas que não conseguem mais voltar para as posições que ocupavam no mercado de trabalho, tornando-se marginalizadas.


Durante séculos temos observado milhares de vidas serem sacrificadas, em prol de ideais nacionalistas. A história está cheia de exemplos de movimentos sangrentos de independência, ou de resistência nacionalista, que ocorrem cada vez menos nos dias de hoje. Há, estatisticamente, muito menos indivíduos dispostos a dar a vida por estas causas.


De outro lado, a complexidade de problemas de abrangência global se acentua e vem tomando espaço crescente, no debate nacional e internacional, influenciando políticas públicas, nem sempre na direção dos interesses da maioria.


A verdadeira questão que se coloca, é a de que teremos que encarar uma progressiva agenda de problemas globais. E de que forma conseguiríamos equacioná-los, a partir da perspectiva nacionalista tradicional, fundamentada no interesse de nações e governos? Guerras começaram assim.


O consumidor, sobretudo o brasileiro, precisa tomar consciência de que seus verdadeiros instrumentos de poder são o voto e o livre arbítrio, especialmente, ao consumir produtos e serviços. Não existe agência reguladora que proteja melhor a sociedade, do que a própria sociedade e sua grande aliada – a concorrência. Precisamos passar a pressionar políticos e governantes, no sentido de exigirmos políticas públicas que favoreçam a educação e que estimulem a livre concorrência.


O fato é que, muito em breve, teremos que encarar esta discussão, de modo a que seja possível vislumbrar alguma perspectiva positiva, para nossas futuras gerações. O problema da poluição em torno das grandes cidades e da atenuação dos efeitos das alterações climáticas (que o Sr. Trump nega existir), são questões que dificilmente serão equacionadas sem a existência de um entendimento transnacional efetivo.


Outra questão preocupante é a da capacidade de geração de renda, duramente golpeada pela diminuição das oportunidades de trabalho, ocasionada pela evolução exponencial da tecnologia. Não há paralelo semelhante na nossa história.


Será que o efeito de desemprego em massa, sobretudo nos países do “terceiro mundo”, poderia ser de alguma forma compensado por aqueles que estiverem trabalhando? Seria a tal “Renda Básica Universal” viável? E de que forma ela seria implementada, sem acordos globais? Como seria a cobrança de impostos na Califórnia, sobre bens e serviços produzidos no Vale do Silício, destinada a mitigar a miséria de outros países? Estaríamos assistindo à condenação de dezenas de milhões de pessoas a um verdadeiro “apartheid” tecnológico?


Estas são apenas algumas questões que teremos que encarar já em 2025. É bem possível que precisemos, com urgência, de uma versão terceiro mundista do Plano Marshall.


A triste realidade é a de que nenhum candidato ou político brasileiro e nem nossa população, sequer, parece ter consciência desta real ameaça.


Torço para que as atitudes caricaturais do Sr. Donald Trump, inspirem nossas melhores cabeças pensantes, no sentido de abandonarem a pequenez da radicalização ideológica, para que passem a concentrar esforços na proposição de soluções que atenuem os efeitos deste preocupante cenário, do qual não escaparemos.


Na realidade, já estamos sendo afetados. Há, no Brasil, uma massa de doze milhões de desempregados semiqualificados que até poderia ser absorvida por uma década de obras de infraestrutura. Mesmo que aparecesse o dinheiro necessário, tal situação tem prazo de validade. As técnicas construtivas manuais, vêm sendo substituídas por processos automáticos, mais eficientes, baratos e rápidos. É, apenas, uma questão de escala. Assim que os preços caírem, a adesão das empresas de construção será imediata, especialmente as que fazem casas populares. E depois?


Não tenho medo de errar ao afirmar que “os empregos menos ameaçados serão os que exigem o uso de habilidades de aplicação personalizada”. Por exemplo, enfermeiros, cuidadores, fisioterapeutas, etc. Em seguida será a vez dos profissionais liberais – aqueles que se acham insubstituíveis, devido à “humanidade” das habilidades e tarefas que desenvolvem. A maioria das atividades que envolvam formas de interpretação, classificação, produção de diagnósticos, serão substituídas, com vantagem, por algoritmos identificadores de padrões, capazes de acertos superiores a 99%, por uma fração ínfima do custo. Estes algoritmos são capazes de se auto-aperfeiçoarem, via processos de “aprendizado de máquinas”. Isto significa que, à medida que o volume de dados aumenta, o desempenho melhora. E processos automatizados possuem, como única “reivindicação”, o fornecimento de energia elétrica. Não promovem greves, não bloqueiam estradas.


Meu objetivo, aqui, não é o de alarmar (imaginem se fosse..). Faço, uma provocação ao amigo leitor. E não se trata de ficção científica rasteira. São fatos reais, que já estão invadindo nosso cotidiano. É só usar o Google, o Netflix, ou o Facebook.


E não se iludam programadores, analistas de sistemas, médicos, advogados, engenheiros, contadores, mesmo aqueles que hoje são especializados em atividades conhecidas como “operador-dependentes”. Todos correm o risco de serem substituídos por processos automatizados, mais baratos e eficientes. Na medicina diagnóstica por imagem, já estão sendo usados scanners de corpo inteiro, com captação em ultra definição, cujos algoritmos acoplados analisam milhões de imagens, antes de produzirem modelos em 3D de próteses. Laudos e diagnósticos identificam a existência de tumores precoces e tipificam anomalias encontradas em nosso corpo, com 98% de probabilidade de acerto.


Máquinas aprendem de forma diferente de seres humanos e evoluem também diferentemente. E são muito mais eficientes e baratas, quando se trata de velocidade e de quantidade. Mas este é assunto para outro artigo.


Portanto, é preciso provocar a discussão de soluções para o problema da geração de renda, numa sociedade em que as oportunidades de trabalho serão cada vez mais escassas e competitivas.


Nossos processos educacionais básicos precisam passar a privilegiar o desenvolvimento da criatividade, da intuição e da iniciativa, sem qualquer entrave ideológico. Para isto, precisaríamos alterar (para ontem) nossos paradigmas educacionais e focalizarmos nos três “P”s fundamentais da base educacional: Pais, Professores e Performance.


Alguns sugerem programas especiais que aproximem os pais das escolas. Outros alertam a respeito da importância de nossos professores serem mais bem remunerados e formados. São boas sugestões. Realmente, um bom professor serve de referência para uma vida inteira. E o terceiro “P” – o da performance do futuro cidadão - passa a ser quase que consequência de um processo educacional saudável dinâmico e sintonizado com as demandas da sociedade.


É preciso encontrar formas de educar os pais, para que eduquem melhor seus filhos, para que estes últimos possam recuperar a noção de civilidade, do respeito às leis e ao próximo, tornando-se cidadãos mais esclarecidos e menos vulneráveis a narrativas milagrosas, sejam elas nacionalistas, ou globalistas.


Nossas referências éticas andam confusas, pelo aumento do sentimento de injustiça, gerado pela sensação de impunidade. O marketing desenfreado a que estamos expostos (a cada checada de nossos smartfones) constrói ídolos sem substância e que são admirados pelo que possuem, não pelos exemplos que dão.


Valores democráticos fundamentais, parecem escorrer por entre nossos dedos. Os sentimentos de vergonha e de respeito, parecem ter sido banidos. E tudo isto porque necessidades básicas de curtíssimo prazo não são atendidas há décadas. Hoje temos o ambiente perfeito para a farra eleitoral predatória dos populistas profissionais. E este ciclo vem se repetindo, no Brasil, há trinta anos.


É hora de sua excelência a população consumidora, eleitora e pagadora de impostos, ocupar seu espaço. “Entrar em campo” e fazer valer sua vontade soberana – a de definir os rumos da economia. Pode parecer impossível, mas pode ser feito. Na realidade já vem ocorrendo nas sociedades mais desenvolvidas. Elas aprenderam a deixar encalhar nas prateleiras, os produtos e serviços que não estejam sintonizados com os seus interesses, crenças e capacidade de pagamento. Fazem o mesmo com os maus políticos e governantes.


Numa conjuntura em que apenas interesses econômicos prevalecem, a resposta deve ser na mesma moeda. E as redes sociais podem desempenhar papel importantíssimo, na mobilização destas ações. Por meio do voto e do livre debate de idéias, é possível usarmos as redes sociais como instrumento legítimo e pacífico de pressão aos governantes, no sentido da elaboração de políticas públicas que aumentem as chances de que nossas próximas gerações possam enfrentar, com alguma chance de êxito, as transformações que se avizinham.


O ser humano não possui o dom da adivinhação, mas tem a capacidade de entender e interpretar o presente, na tentativa de transformar o futuro.


Abraços a todos e ótima semana.


 
 
 

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