A Armadilha de Tucídides
- Roberto Barberá
- 24 de mar. de 2019
- 6 min de leitura

Tucídides foi um historiador da Grécia antiga, conhecido por sua imparcialidade e coerência na interpretação dos fatos históricos. Viveu em Atenas, entre 460 e 400 a.C. e foi autor dos oito volumes que compõem clássica obra “História da Guerra do Peloponeso”.
Além de sua importância como filósofo e pensador, é considerado o primeiro correspondente de guerra” de que se têm notícia.
Me lembrei dele pois parece-me que já estamos diante de nosso maior desafio geopolítico que é, naturalmente, a ascensão econômica da China. E aqui não faço qualquer apologia ao regime chinês, pelo contrário. Mas o impacto está nas manchetes, causando enorme perturbação na ordem econômica mundial.
Nunca antes tantos seres humanos progrediram economicamente tão rápido e em tantas dimensões diferentes. Só para rememorar, a China, em 1994, possuía uma economia do tamanho da nossa.
Os historiadores chamam os últimos cem anos de "O século americano". E os americanos se acostumaram ao seu lugar no topo da ordem mundial. A ideia de outro país poder apresentar, já em 2024, um PIB que é uma vez e meia o PIB americano e que, seguindo a tendência atual, pode tornar-se mais forte do que os EUA em todos os sentidos – bélico e tecnológico inclusive – provocou uma espécie de sensação de “ataque” que Trump soube explorar habilmente ao se eleger em 2016.
Proponho, portanto, que ajustemos nossa visão à luz da perspectiva histórica e avaliemos quais seriam os prováveis desdobramentos desta rivalidade.
Nos últimos quinhentos anos assistimos a dezesseis situações em que uma potência crescente ameaçou deslocar um poder dominante. Doze delas terminaram em guerra.
Acabamos de completar, em novembro de 2018, o centésimo aniversário do término da primeira grande guerra mundial. Curiosamente, em 1918, as armas silenciaram em 11/11 às 11 horas, terminando o mais sangrento conflito da história humana (até aquele momento), em que mais de vinte milhões de vidas foram perdidas.
De qualquer forma é preciso que façamos uma pausa para refletir sobre o que conseguimos, no Brasil, comparativamente, dentro da mesma perspectiva:
- Há quarenta anos - em 1978 - a China sai em busca da implantação da chamada “economia de mercado”. No Brasil, iniciava-se o processo de redemocratização.
- Em 1978, 90% (9 entre cada 10) dos cidadãos chineses ganhavam menos de dois dólares por dia e, portanto, encontravam-se abaixo da linha de pobreza;
- Em 2018, menos de 1% dos chineses, estava abaixo da linha de pobreza.
E o presidente da China prometeu que dentro dos próximos três anos, estas últimas dezenas de milhões (observe a escala) terão sido retiradas desta situação.
Se comparamos o que aconteceu no Brasil, no mesmo período, trata-se de um milagre na vida dos chineses. Não me cabe aqui avaliar os recursos e meios empregados pelo governo chinês, mas há indícios inegáveis de prosperidade da maioria esmagadora da população que são difíceis de acreditar.
Uma nação que sequer aparecia nas tabelas dos organismos internacionais há 25 anos atrás, agora se rivaliza e até supera, em algumas áreas (vide a tecnologia 5G), os Estados Unidos da América. Quem diria?
Sendo assim, o cenário que moldará nosso mundo e, em especial, o Brasil é o seguinte:
- uma China com crescimento ininterrupto, acelerando em múltiplas direções, diante dos inamovíveis EUA, a caminho do que poderá ser a maior colisão da história.
Para nos ajudar a entender tal desafio, gostaria que Tucídides pudesse tuitar algumas de suas célebres considerações, sobre o conflito que há 2500 anos destruiu a Grécia clássica. E este tuíte seria mais ou menos o assim: “Foi a ascensão de Atenas e o medo que ela incutiu em Esparta, que tornou a guerra inevitável".
Segundo ele, a ascensão de um, desencadeou a reação do outro, uma vez que se criou o perfeito coquetel tóxico, composto de orgulho, arrogância e de paranoia coletivos que, historicamente, conduzem à guerra. Daí a ideia da “Armadilha de Tucídides”.
A “Armadilha de Tucídides” é um termo inventado pelo professor de Ciência Política de Harvard – Graham Allison – para dar vida à dinâmica perigosa que ocorre quando um poder crescente ameaça um poder dominante, como Atenas – há 2500 anos, a Alemanha – há cem anos, ou hoje, a China.
Conhecendo o conceito da armadilha de Tucídides, é possível usarmos uma lente e acompanhar passivamente, tudo o que poderá acontecer segundo a tendência histórica. Ou, alternativamente, podemos usar uma combinação de imaginação, criatividade, bom senso e coragem, para encontrarmos uma maneira de atenuar esta rivalidade, apoiando uma política externa racional, não tendenciosa, livre de ideologia e que, sobretudo, traga prosperidade para o cidadão brasileiro. Não há que se fazer restrições, ou tomar partido de quem quer que seja.
Boa parte da opinião pública (em especial nas redes sociais) têm sido convencida por argumentos reducionistas. O mundo é complexo e o Brasil também. Não há solução mágica. Temos que recuperar nosso processo educacional, nos diversos níveis, fazer cumprir as leis e trabalhar muito.
A ninguém interessa guerra alguma. De 1945 até os dias de hoje, nunca houve paz tão duradoura e prosperidade tão intensa e em tão curto espaço de tempo. Há desigualdades, mas não há como negar os fatos. A China é um exemplo cabal da inversão completa da pirâmide de pobreza. Fez isto em praticamente duas décadas.
Poderíamos ter feito o mesmo, em três ou quatro décadas, evitando os métodos que tanto criticamos nos chineses. Mas não fomos capazes.
Certa vez, ouvi uma frase do ex-presidente da República Tcheca – Vaclav Havel – dita a um jornalista, que descreve bem a evolução econômica chinesa: “É meteórica. Tudo aconteceu tão rápido que ainda não tivemos tempo de nos surpreender”.
Julgue você: compare a recuperação do viaduto de Sanyuam, em Beijing, com a do viaduto de São Paulo.
- no caso de Sanyuam, foi entregue um novo, em 43 horas; e
- na Marginal de São Paulo foi entregue o viaduto reformado, em 5 meses, debaixo de muita pressão da opinião pública e da imprensa.
A prosperidade chinesa é fruto de vários fatores, dentre eles, muito trabalho. É o resultado da aplicação das leis (quaisquer que sejam elas), do compromisso dos governantes com metas (por décadas), organização e à condução firme de uma completa revolução educacional. A China se transformou no maior exportador de alunos para as principais universidades americanas. E o presidente Xi Jinping nunca escondeu suas metas, que vêm sendo alcançadas dentro dos orçamentos e prazos previstos, a saber:
- 2025: ser a China líder de mercado em dez das principais tecnologias, incluindo carros autônomos, inteligência artificial e computação quântica;
- 2035: ser a líder em todas as tecnologias avançadas;
- 2049 (centésimo aniversário da fundação da República Popular da China): ser inequivocamente a número 1, com um poder bélico que Xi Jinping chama de “fight and win” (é lutar e vencer).
À medida que a China se torna maior, inevitavelmente colidirá com posições e prerrogativas americanas. As consequências deste movimento tectônico serão sentidas em todos os lugares. Por exemplo, no atual conflito comercial, a China já é o parceiro comercial número um de todos os principais países asiáticos, o que nos remete de volta à armadilha de Tucídides.
Imaginemos que Tucídides estivesse assistindo ao planeta Terra hoje. O que ele diria? Poderia ele encontrar um líder mais apropriado (e irritante) para representar o poder dominante, do que Donald Trump? Ou um protagonista mais adequado para o papel de poder insurgente, do que Xi Jinping?
Acho, ainda, que ele iria coçar a cabeça e, certamente, dizer que não poderia pensar em provocador mais “eficiente” do que Kim Jong-un.
Cada qual parece determinado a desempenhar seu papel neste ameaçador roteiro, sem vencedores. Só nos resta, por fim, a pergunta fatídica: será que americanos e chineses vão deixar as forças da história atuarem livremente, até deflagrarem uma última grande guerra?
O mundo e, sobretudo os educadores brasileiros, precisam voltar a ensinar história para nossos jovens até que a aprendam, a ponto de não correrem o risco de repeti-la. Entenderem, por exemplo, como e por que os EUA concordaram em pagar mais impostos, durante quatro anos seguidos, para viabilizarem o plano Marshall.
E o que foi o plano Marshall?
- Um notável grupo de americanos (a grande maioria), de europeus (e de alguns outros),
não apenas do governo, mas do mundo da cultura e dos negócios,
envolvidos por uma onda de união coletiva, imaginaram e criaram uma nova ordem internacional. O plano entrou em vigor a partir de julho de 1947 e funcionou por quatro anos fiscais.
- Apesar de suas agendas locais do pós-guerra (os americanos, por exemplo, tiveram que desmobilizar e arranjar trabalho para dez milhões de convocados que retornaram para casa) resolveram pagar mais impostos, por quatro anos, para financiarem o Plano Marshall, cujo objetivo foi o de prover recursos de toda ordem, para ajudar a reconstruir a Europa aliada arrasada pela guerra. Apesar de agressores, Itália e Alemanha viriam a ser, também, beneficiadas. Era importante e urgente fortalecer a Europa, diante da voracidade Russa em subjugar seus territórios ocupados. Como consequência, foi estabelecida uma nova ordem econômica mundial que, acrescida da União Européia, vigora até hoje.
Pois é, apesar de criticada e carente de ser revigorada, é esta mesma ordem mundial que permite que você e eu vivamos nossas vidas (todas elas, independentemente de nossas crenças) de forma civilizada (pelo menos nas nações democráticas) e com níveis de prosperidade jamais vistos.
No Brasil, qualquer atraso neste processo se deve a nossos próprios erros. Precisamos, sim, ajudar a EUA e China a conviverem em harmonia, fomentando o comércio com os dois países, da forma mais intensa e vantajosa possível. O que mais precisamos é de um plano Marshall, para que o Brasil possa recuperar todo o tempo perdido. Qualquer tipo de ideologização só atrairá mais atraso para o nosso já combalido progresso.
Abraços a todos.
Comments